A Filosofia Tomista
por Paulo Faitanin - UFF
Fonte: http://www.aquinate.net/portal/Tomismo/Filosofia/tomismo-filosofia-tomista.htm
1. Origem: Historicamente foi o pensador itálico Pitágoras [570-490 a.C] quem inventou e utilizou por primeira vez a palavra filosofia, do grego filoj + sofia: em vez de se chamar sábio, como os demais, dizia-se apenas um amante, amigo da sabedoria. Daí passarem os sábios gregos a serem chamados filósofos. Como diziam os antigos, a filosofia começa pela admiração que se sente diante do fato de as coisas existirem e serem tais como são. Da admiração surge a curiosidade de saber as causas da existência da realidade. Alguns dizem que é a experiência da morte, o sofrimento, a angústia o que causaria esta admiração. Outros ainda colocam que a filosofia nasce da dúvida que o mundo nos causa. Outros ainda dizem que ela nasce de uma vocação natural do homem de procurar entender tudo o que lhe rodeia. Contudo, foi com a insatisfação racional diante das explicações alegóricas, mitológicas que o homem, com o passar dos tempos, tentou ir mais além das explicações fantasiosas dadas à natureza, na medida em que buscava demonstrar, fundamentar e verificar na própria natureza suas propostas de respostas dadas àqueles fenômenos naturais. Neste sentido a filosofia significa a passagem do mito ao logos. Foram os pensadores gregos Platão [427-347 a.C] e Aristóteles [384-322 a.C] que definiram propriamente a filosofia como um tipo de ciência nobre, pois se busca mediante a filosofia o conhecimento das causas mais profundas de toda a realidade, incluindo à do próprio homem. Para Platão a filosofia é o uso do saber em proveito do homem. Platão observa que nada serviria possuir a capacidade de transformar pedras em ouro a quem não soubesse utilizar o ouro; do mesmo modo, de nada serviria uma ciência que tornasse imortal a quem não soubesse utilizar a imortalidade. A filosofia é a ciência em que coincide o fazer e o saber utilizar o que é feito [Eutidemo, 208e 290d]. Para Aristóteles a filosofia é ciência da verdade. Segundo Aristóteles é justo chamar a filosofia de ciência da verdade, porque o fim da ciência teorética é a verdade. Ora, não se conhece a verdade sem conhecer a causa. Por isso, também, a filosofia é ciência das causas. Mas dentre as causas as mais nobres e verdadeiras são as causas eternas. Assim é necessário que as causas dos seres eternos sejam mais verdadeiras do que todas as outras. Por conseguinte, a filosofia é ciência do ser verdadeiro e eterno, já que cada coisa possui tanto de verdade quanto possui de ser. [Metafísica, I, c.1, 993b 19-30]. As opiniões de Platão e Aristóteles registram no pensamento da Grécia ocidental o surgimento da filosofia, onde o homem passa a buscar uma explicação racional para o mundo, não se contentando com as explicações míticas e lendárias, em que todos os fenômenos eram atribuídos aos deuses. O nascimento da filosofia marca o início da superação das explicações míticas, baseadas nos mitos ocidentais. Este amor ao conhecimento faz surgir no homem muitas propostas de explicações para distintas formas de fenômenos. Aparece assim a filosofia, que em sua origem imediata é ciência empírica, mas que logo pelo aprofundamento das questões vai cada vez mais transcendendo o sensível e empírico e apresentando cada vez mais fórmulas de explicações mais abstratas e universais. Assim, pois, a filosofia surge como superação do mito. A partir de então a filosofia é o desejo que nasce da vontade da alma de possuir pela razão o conhecimento certo de toda realidade que sentimos, vemos e não vemos, sem o interesse de receber nenhuma recompensa útil, sensível ou prática em troca, senão a felicidade mesma da alma, enquanto é o estado de satisfação da alma de sentir-se plena e em paz na posse de um saber que lhe seja um bem e de poder transmiti-lo aos demais. A filosofia por ser um conhecimento intelectual não aniquila ou reprova o conhecimento sensível do mundo, mas o ordena para uma síntese inteligível, tornando-o abstrato e compreensível de um modo intelectual. O filósofo torna-se então o sábio, pois o filósofo é aquele que ama o saber e o busca sem querer receber nada em troca, porque busca o saber pelo saber. O filósofo descobre que a felicidade da alma e a plenitude dos desejos se encontram na posse da sabedoria, por isso não deseja trocá-la ou subordiná-la a nenhum outro bem perecível. Pois, para o filósofo a sabedoria é o bem imperecível da alma. A filosofia torna-se sinônimo de sabedoria, pois é o filósofo quem vai julgar e ordenar qual saber é o mais próprio da alma: tanto mais imperecível, certo e bom para alma, quanto mais nobre e necessário a sua busca e posse. O filósofo mediante a filosofia busca a sabedoria, que é um conhecimento que a alma julga imperecível, certo, bom e verdadeiro e que causa nela mesma a felicidade pela posse deste conhecimento a que julga como um bem pleno e que lhe impulsiona a oferecê-lo aos demais que ainda não o possuem. Portanto, a partir de Platão e Aristóteles a filosofia é considerada como ciência, pois é conhecimento certo pelas causas, cujo objeto material são todas as coisas e o objeto formal, as suas causas últimas. Concluindo, podemos dizer que do mesmo modo que o homem, por sua natureza corpórea, deseja os sabores dos alimentos e os deleites sensíveis, assim, também, deseja, mais intensamente, segundo sua natureza espiritual, saborear os sabores dos alimentos e dos deleites espirituais, portanto, saborear, conhecer algum bem espiritual. Este bem espiritual que é o conhecimento pode ser alcançado pelo amor à sabedoria, enquanto hábito ou disposição de conquistar pelo esforço do estudo humano aqueles bens imperecíveis para alma.
2. A Filosofia Tomista: A filosofia tomista é por excelência a metafísica ao serviço da teologia. Marcada pela forte influência do pensamento grego aristotélico, patrístico e especialmente latino agostiniano, árabe e judeu e dos seus predecessores escolásticos, sua filosofia é rica e inovadora, fruto de uma contemplação e reflexão intensa que revolucionou o vocabulário filosófico medieval e dispôs a mente humana a argumentar retamente numa ponte que liga as coisas da terra, com as do céu.
(a) A Filosofia Escolástica: No século XIII, o Ocidente Europeu foi o palco de uma Revolução Filosófica Medieval. A aquisição de novas fontes filosóficas exerceu forte influência sobre a vida intelectual. Do Oriente, as recém-chegadas filosofias árabes e judaicas, juntavam-se à tradição filosófica platônica e à vetus logica aristotélica, no Ocidente. Ampliou-se o legado aristotélico com a nova logica e as suas obras cosmológicas, política, ética e metafísica. Neste ambiente, a Escolástica estava munida de um leque incrível de fontes filosóficas. Logo, o estudo da filosofia aristotélica tomaria lugar de destaque nas universidades medievais, com novas versões e traduções para o latim dos inéditos textos gregos. Na Universidade de Nápoles, por exemplo, estudavam-se até seis anos de filosofia aristotélica, a ponto de ele vir a ser chamado 'o filósofo', hábito que herdou o próprio Tomás de Aquino [1225-1274] ao referir-se, em seus escritos, a Aristóteles. A famosa abertura do Livro I da Metafísica de Aristóteles: Todos os homens tem o desejo natural de conhecer [Met.I,980a 1-2] havia posto em evidência os estudos filosóficos. Neste contexto cresceu e desenvolveu-se o pensamento de Tomás de Aquino.
(b) A Filosofia Tomista: Em virtude da excelência de sua teologia, há que se afirmar a importância de sua filosofia. Neste sentido, o Aquinate, embora não desejasse ser senão teólogo, foi verdadeiramente um grande filósofo, pois sabia que a razão não contrariaria a fé, se ela fosse retamente utilizada e fundamentada no princípios evidentes para, com os raciocínios válidos, pôr a própria razão ao serviço da fé. A autonomia da filosofia não o conduziu a apoiar-se, sem mais, na autoridade dos filósofos, embora não descuidasse de considerar os mestres e as suas principais doutrinas. Por isso, sustentou que o argumento de autoridade fundado sobre a razão humana é, de todos, o mais fraco [STh.I, q1,a8,c]. A sua autoridade é a teológica, baseada na autoridade divina e não na humana. O Aquinate efetivamente marcou a filosofia, mas não quis inovar em seus estudos filosóficos e sequer quis instituir um novo sistema filosófico, criar uma filosofia sua, mas uma da verdade das coisas, do ser das coisas. De fato, embora não o tenha querido, revolucionou a investigação filosófica. Neste sentido, o papel e a finalidade da filosofia não é saber o que os homens pensaram, mas qual é a verdade das coisas [In I De caelo, lec.22]. Disse o melhor que pôde e soube, o que as coisas são na realidade; se já alguém o tinha dito antes dele, não era motivo para não o repetir; se ninguém o tinha dito ainda, não era motivo para ele não o dizer, pois não procurava fazer obra pessoal, mas pesquisa objetiva e alicerçada no real.
(c) Filosofia e ciência: Há de esclarecer que para todo o medievo, não há distinção entre filosofia e ciência; antes, ao contrário, a filosofia é a fonte de todo saber e é a ciência racional por excelência. Por esta razão, o estudo da filosofia é em si mesmo lícito e louvável, por causa da verdade que os filósofos buscam e acabam por descobri-la em Deus [STh.II-II,q167,a1,ad3]. Acerca da verdade que se alcançou no passado, a partir dos esforços de muitos filósofos, afirmou o Aquinate ser a filosofia perene já que a contribuição dum só homem, pelo seu trabalho e pelo seu gênio para o progresso da verdade é pouco comparada com o conjunto da ciência; no entanto, de todos esses elementos coordenados, escolhidos e reunidos, alguma coisa de grande se fez [In II Met, lec.1]. Por isso, para Tomás, é importantíssimo voltar às opiniões dos antigos, sejam as de quem for, pois isso é-nos duplamente útil, seja para guardarmos para o nosso uso o que disseram de bom, seja para nos defendermos do que disseram de mal [In I De anima, lec.2, n15]. De fato, a verdade que a razão perscruta lhe é natural e a sua investigação convém à filosofia. Mesmo pela razão pode-se alcançar as verdades referentes às realidades divinas inteligíveis, possíveis de serem investigadas pela razão humana [CG.I,4].
(d) Partes da Filosofia: Como o trabalho especulativo de toda a filosofia dirige-se para o conhecimento de Deus, a metafísica - também denominada filosofia primeira, sabedoria - que tem por objeto as verdades divinas, deve ser a última parte da filosofia [C.G. I, c.4]. Segundo o Aquinate, a razão se relaciona com a ordem das coisas de quatro modos, de cuja relação surge as partes da filosofia: a ordem que a razão não faz, mas a considera, como a das coisas naturais, cujo estudo próprio é o da Filosofia da Natureza da qual se seguem aMatemática, a Metafísica [e também, a Psicologia, a Antropologia]; a ordem que a razão faz em seu próprio ato, ordenando seus conceito, cujo estudo compete à Filosofia racional ou Lógica [In I Anal. lec.1, n.1/De pot. q.1, a.3,ad3] e aqui se inclui também a Gnosiologia; a ordem que a razão faz ao considerar as operações da vontade, cujo estudo compete à Filosofia Moral ou Ética [e também a Política] e a ordem que a razão faz ao considerar as realidades exteriores, das quais é causa, cuja competência é das Artes Mecânicas [In I Etic. lec.1, n.1-2] em que se inclui também a Estética. Feito isso, cabe colocar em evidência que para o Aquinate a filosofia é ciência especulativa, porque investiga acerca do próprio saber. Por isso, tal ciência, que é sabedoria, teve o seu nome mudado para o de filosofia [In I Met. lec.3, n.53]. Mas, sendo o estudo da filosofia uma ciência humana, isso não significa que ela seja uma ciência estritamente acerca das coisas que o homem sente, senão que tende, sobretudo, à verdade delas [In I De caelo, lec.22]. Ora, sendo Deus a Verdade última das verdades, toda a filosofia verte-se à consideração dela e a ela se ordena [CG.I,4].
(e) Prolegômenos: É mérito de Tomás de Aquino a inovadora exegese metafísica. Fruto da entrega de uma vida de estudo, oração econtemplação, que exige o mesmo de quem dela se aproxima. Não se pode aproximar-se da metafísica tomista sem se tornar, ao menos, cúmplice dela. Não erraria muito se dissesse que ela é, para o Aquinate, quase uma oração. De fato, se nos seres encontramos, segundo o Angélico, os vestígios, a imagem e semelhança de Deus, é certo que o estudo dos seres é muito mais que uma mera investigação, já que, por meio deste estudo, se pode encontrar algo do próprio Deus. Mas o que a Metafísica procura e encontra são a verdade, a causa e os princípios do ser. Que verdade? A verdade que é a adequação do intelecto com a realidade, os princípios que a razão conhece do real não se opõem, senão antes se adequam aos que existem no próprio real. Que causa? A causa primeira do ser e os seus princípios metafísicos constitutivos. A causa primeira é o que explica a natureza e a origem de toda perfeição e diversidade de seres, da unidade e multiplicidade de seres. De fato, a especulação metafísica nasce do interior da análise do uno e do múltiplo. Dentro desta perspectiva é importante e original a solução tomista ao problema da individuação dos seres, que é um dos temas mais importantes de sua Metafísica. Quaisprincípios? Os princípios são o que constituem e demonstram toda a estrutura e ordem internas dos seres. Constituem porque formam parte do ser e o demonstram porque, sendo evidentes à razão, são indemonstráveis em si mesmos, mas são os princípios de demosntração de tudo quanto possa ser. Tais princípios são, efetivamente, os fundamentos de uma nova construção filosófica, cuja cobertura é a contemplação teológica, que marca no metafísico a identificação da Causa primeira com Deus. A Metafísica tomista leva o homem inevitavelmente a Deus, por meio de um caminho racional, coerente e demonstrável. Por isso, ela é ciência. O Aquinate utiliza como método a procedência do estudo de casos mais simples e concretos para chegar à análise dos mais complexos e abstratos. Por isso, parte da análise das realidades sensíveis, na medida em que busca chegar, a partir disso, à análise das realidades imateriais. Neste sentido, a sua metafísica começa por compreender o ente sensível, sua causa próxima e seus princípios, para ir ascendendo ao ente suprasensível, na consideração de sua causa remota. Daí ser a Metafísica dividida, como veremos, em geral e específica. Aquela considera o ente enquanto ente e, esta, a realidade última e única, causa e princípio de todos os seres. No estudo da Metafísica geral, considera-se tudo quanto se possa dizer do ente. Toda nomenclatura que se segue no estudo desta parte é herança do gênio grego aristotélico e latino agostiniano, com a inclusão de alguns verbetes que são frutos da colaboração de outros autores e do próprio Aquinate. O Aquinate utiliza deste vocabulário, mas o adequa, corrige e amplia, oferecendo novas possibilidades gramaticais e semânticas. A linguagem analógica ou a analogia é fundamentalmente a grande inovação tomista. Por ela, tornou-se mais eficiente a comparação entre realidades que aparentemente, muito divergindo em algo acidental, assemelham-se em algo essencial. A linguagem analógica é o fundamento para a afirmação de duas outras importantes doutrinas tomistas: a doutrina da participação, a partir da qual se afirma e demonstra a real existência de algo na criatura que representa à maneira de vestígio, imagem e semelhança alguma perfeição divina e a doutrina do ato de ser que demonstra que o ser representa e confirma, em cada criatura, certo grau de realização de alguma perfeição divina. Este rico vocabulário se alinha, até hoje, nos léxicos e dicionários especializados ou não e, inclusive, guardam parcial, quando não total, semelhança com o sentido metafísico original aristotélico-tomista. A lexicografia aristotélico-tomista estabelece, guardadas as proporções, uma revolução semântica em linguagem filosófica e teológica. Isso marca, efetivamente, a sua importância e atualidade. Termos como substância, acidente, matéria,forma, privação, ato, potência, causa, princípio, uno, verdade, bem, algo, relação e, tantos outros, enriqueceram ainda mais o leque de possibilidades semânticas de alguns conceitos que mantêm, em alguns casos, o mesmo sentido original em seus usos corriqueiros. Quanto ao estudo da Metafísica específica, considera-se tudo quanto a razão possa, com seus princípios, aproximar-se da idéia da existência deDeus, da afirmação de algo de sua natureza e dos seus atributos. Esta parte foi denominada apropriadamente de Teodicéia. No Tomismo quase tudo é por via metafísica: a antropologia, a cosmologia, a psicologia, a gnosiologia, a ética, a política etc. Ela se faz onipresente às suas exposições filosóficas. Não obstante, apesar de tudo isso, para o Aquinate, ela não passa de um instrumento, uma serva da Teologia. Esta serva é, sem dúvida, em nossos dias, o remédio e a cura mais eficazes contra o desespero e o desencanto da razão humana, com relação à realidade, ao próximo e a Deus, conseqüência dos limites e privações aos retos princípios, que se lhe impuseram o idealismo, o niilismo e o relativismo. Por isso, para o Aquinate a Metafísica é, por excelência, a ciência humana racional mais digna e nobre de ser estudada, aprendida e ensinada pelo homem, pois revela ao homem, pelas coisas naturais e pelo uso dos princípios invioláveis da razão, a necessidade da existência de um ser infinito em perfeição: Deus. Eis a Metafísica tomista.
(f) A Metafísica: é por excelência o epicentro da investigação racional, pois sendo filosofia primeira, investiga as primeiras causas das coisas [In I Met. proêmio]. Sem dúvida, a filosofia é a ciência do ser em si mesmo e das primeiras causas [In IV Met. lec. 1] à luz da razão natural [STh.I,q1,a1,c]. O que é Metafísica? Segundo o Aquinate é tríplice a denominação da metafísica: Metafísica enquanto é ciência do ente; ciência divina e filosofia primeira, enquanto investiga as primeiras causas [In Met. I, lec. 2, 58-62; II, lec. 2, 291; VI, lec. 1, 1166-1170; XI, lec. 7, 2263-2267]. Em síntese a metafísica é a ciência do ente enquanto ente, dos seus princípios e causas. O objeto da Metafísica: o ente é o objeto próprio da metafísica, porque é o que primeiro considera o intelecto, quando conhece a realidade; por isso, o ente é o sujeito da Metafísica [In IV Met. lec.1, n.529-531]. A divisão da Metafísica: Como já dissemos, a Metafísica se divide em duas grandes partes:Metafísica Geral ou Ontologia [de onto (ente)+logia (estudo)], como ulteriormente a denominou Christian Wolff [1679-1754] e MetafísicaEspecial ou Teodicéia [de theo (Deus)+diké (justiça/estudo)], como posteriormente a denominou Wilhem Leibniz [1646-1716]. Para o Aquinate a Metafísica geral estuda o ente comum, enquanto a especial estuda o ente primeiro, as coisas divinas, o que se ocupa a última parte da Metafísica [In I Met. lec.2, 52-68; CG.I,4;STh.I-II,q66,a5,ad4]. Segundo o Aquinate é maximamente pertencente à Metafísica e, por conseguinte, mais nobre e digno, o que se ocupa dos estudos do que é imaterial em si mesmo ou o que é abstraído da matéria. Pertence ao estudo metafísico, portanto, o estudo dos conceitos que se originam por abstração das realidades sensíveis como, também, o estudo que trata da existência de realidades supra-sensíveis, como a das substâncias separadas, que embora não possuam matéria sejam também entes e objeto de estudo da Metafísica [In VI Met.lec.1,1162-1165]. O método da Metafísica: O Aquinate estabelece duplo método: um ascendente, denominado resolutivo -resolutio-, que parte das determinações particulares às resoluções universais, que não é outra coisa que a indução; e outro descendente, denominado compositivo -compositio-, que inversamente parte das resoluções universais às composições particulares, que não é senão a dedução [In de Trin. lec.2,q2,a1,c3]. A Metafísica e as demais ciências: Tal como nós consideramos, para o Aquinate a Metafísica é ciência do ente. Ela nasce da especulação acerca dos princípios da Física, e daí tira seu nome. A Física é ciência [In I Phys.,lec.1,n.3] que estuda as causas, devendo inquirir a suprema causa [In II Phys.,lec.6,n.196]; e trata da matéria, da forma, do composto, do movimento, do tempo, do espaço e do lugar [In II Phys.,lec4,n.166]. Neste sentido, a Metafísica supõe o estudo da Física e de tudo que nela seja considerado. Os princípios metafísicos são ordenados segundo a ordem que a razão faz acerca dos conceitos, próprio da Lógica, que é a arte necessária diretiva da própria razão, por meio da qual o homem procede no conhecimento da verdade e evita o erro [In I Per.lec1]; por isso, a Metafísica é estritamente lógica ou ciência da razão [S.Theo.I-II,q90,a1,ad2]. A Metafísicaserve de modelo para a arquitetura de outras ciências teórico-práticas como, por exemplo, a Ética. A Ética é ciência moral, dos costumes, um tipo de conhecimento especulativo-prático: é especulativo, na medida em que nasce da ordem que a própria razão procura estabelecer, a partir dos seus princípios, nos atos da vontade [In I Eth. lec.1,n.1] e é prático, na medida em que é ciência dos costumes e dos atos humanos, que são sempre circunstanciais, singulares e práticos [In III Sent. d.23,q.1, a.4,2c]. Metafísica - ciência e sabedoria: Metafísica é ciência, na medida em que, a partir dos princípios, deduz suas conclusões. É sabedoria no sentido estrito, enquanto ciência suprema de toda ordem natural, a qual julga, explica e defende pelos princípios das demais ciências, posto que os princípios da Metafísica transcendam aos das demais ciências, pois os destas são menos universais que os os princípios daquela [In II Met.lec5,n391/In IV Met.lec5,n588/CGI,c1;STh.I,q1,a6;I-II,q57,a2]. Concluindo, podemos dizer que a Metafísica é ciência especial que considera o ente segundo o que é comum de todos e, na medida em que é considerado abstraído absolutamente da matéria e do movimento [In III Sent. d27,q2,a4,c2].
(g) Filosofia cristã: Notadamente, a filosofia de Tomás de Aquino é cristã, no sentido de que, embora o filósofo considere as criaturas diferentemente do teólogo, a sabedoria divina parte, algumas vezes, dos princípios da sabedoria humana: Aliás, entre os filósofos, a filosofia primeira usa de todas as ciências para demonstrar as suas teses. Daí também explicar-se porque as suas doutrinas não procedem segundo a mesma ordenação. Com efeito, no ensino da filosofia, que considera as criaturas em si mesmas, e partindo delas vai ao conhecimento de Deus, consideram-se primeiramente as criaturas e, após, Deus. Mas na doutrina da fé, que não considera as criaturas, senão enquanto ordenadas para Deus, primeiramente considera-se Deus e, após, as criaturas. E assim ela é mais perfeita, justamente por ser semelhante ao conhecimento de Deus que, ao se conhecer, vê as outras coisas em si mesmo [CG.II,4]. Configura-se cristã a filosofia porque serve de instrumento e se põe ao serviço da teologia. Sem sombras de dúvidas, é a Metafísica o instrumento básico no uso da filosofia para as investigações teológicas. Contudo, o Angélico dá, também, importância à dialética, ou seja, à Filosofia Racional ou Lógica, enquanto arte da argumentação no estudo da doutrina sagrada: As outras ciências não argumentam em vista de demonstrar seus princípios, mas para demonstrar a partir deles outras verdades de seu campo. Assim também a doutrina sagrada não se vale da argumentação para provar seus próprios princípios, as verdades de fé, mas parte deles para manifestar alguma outra verdade, como o Apóstolo, na Primeira Carta aos Coríntios, se apóia na ressurreição para provar a ressurreição geral [STh.I,q1,a8,c]. E amplia confirmando que a verdade revelada não se opõe à verdade que alcança a razão: a doutrina sagrada utiliza também a razão humana, não para provar a fé, o que lhe tiraria o mérito, mas para iluminar alguns outros pontos que esta doutrina ensina. Como a graça não suprime a natureza, mas a aperfeiçoa, convém que a razão natural sirva à fé [STh.I,q1,a8,c]. Por isso, Já no século XIII, convicto de que a verdade revelada, o artigo de fé dado por Deus ao homem, não poderia contrariar a natureza da própria razão que a aceita e nela crê, sem deixar de buscar entendê-la, o Aquinate procurou conciliar fé e razão, valendo-se, muitas vezes, dos ensinamentos de Santo Agostinho e Aristóteles, para afirmar que a graça e a fé não suprimem a natureza racional do homem, senão antes a supõe e a aperfeiçoa e, a partir disso, também sustentar que é possível a conciliação de filosofia [ratio] e teologia [fides], na medida em que philosophia ancilla theologiae est: a filosofia é serva da teologia.
(h) Id a Tomás: Na segunda metade do século XX, especificamente em seu término, no ano de 1998, o Papa João Paulo II, por um lado, consciente do desencanto da razão por causa dos extremismos racionalistas e do esvaziamento da fé por motivo do relativismo religioso e, por outro lado, por ser conhecedor da riqueza da contribuição da doutrina de Tomás de Aquino para a questão, pôs em dia a sua contribuição para a harmonia entre fé e razão, na qual a filosofia se põe ao serviço da teologia. Assim iniciava o texto: A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2) [Fides et Ratio, proêmio]. Mais adiante, no Capítulo IV, onde trata da Relação entre Fé e Razão, resgata a perenidade da doutrina tomista dizendo:Neste longo caminho, ocupa um lugar absolutamente especial S. Tomás, não só pelo conteúdo da sua doutrina, mas também pelo diálogo que soube instaurar com o pensamento árabe e hebreu do seu tempo. Numa época em que os pensadores cristãos voltavam a descobrir os tesouros da filosofia antiga, e mais diretamente da filosofia aristotélica, ele teve o grande mérito de colocar em primeiro lugar a harmonia que existe entre a razão e a fé. A luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus: argumentava ele; por isso, não se podem contradizer entre si [C.G.I,7] [Fides et Ratio, c.IV, n.43]. Não se opondo à contribuição que a filosofia pode dar para a compreensão da revelação divina, João Paulo II, mostrando-se defensor de uma filosofia cristã, enaltece o modo como o Aquinate soube aproximar estes dois campos do saber: Indo mais longe, S. Tomás reconhece que a natureza, objeto próprio da filosofia, pode contribuir para a compreensão da revelação divina. Deste modo, a fé não teme a razão, mas solicita-a e confia nela. Como a graça supõe a natureza e leva-a à perfeição, assim também a fé supõe e aperfeiçoa a razão... Embora sublinhando o caráter sobrenatural da fé, o Doutor Angélico não esqueceu o valor da racionabilidade da mesma; antes, conseguiu penetrar profundamente e especificar o sentido de tal racionabilidade. Efetivamente, a fé é de algum modo «exercício do pensamento»; a razão do homem não é anulada nem humilhada, quando presta assentimento aos con-teúdos de fé; é que estes são alcançados por decisão livre e consciente [Fides et Ratio, c.IV, n.43]. Em elogio à doutrina tomista, que havia estabelecido a harmonia e cumplicidade entre fé e razão, o Papa ressaltou que somente o amor desinteressado pela verdade poderia mover tal propósito: S. Tomás amou desinteressadamente a verdade. Procurou-a por todo o lado onde pudesse manifestar-se, colocando em relevo a sua universalidade. Nele, o Magistério da Igreja viu e apreciou a paixão pela verdade; o seu pensamento, precisamente porque se mantém sempre no horizonte da verdade universal, objetiva e transcendente, atingiu «alturas que a inteligência humana jamais poderia ter pensado». É, pois, com razão que S. Tomás pode ser definido «apóstolo da verdade». Porque se consagrou sem reservas à verdade, no seu realismo soube reconhecer a sua objetividade. A sua filosofia é verdadeiramente uma filosofia do ser, e não do simples aparecer [Fides et Ratio, c.IV, n.44]. Por isso, a Tradição da Igreja e o Magistério aconselham: Id a Tomás.
P.S.: Agradecemos o Instituto e a Revista Aquinate pela permissão de postagem de seus artigos e matérias (www.aquinate.net) em nosso site.
Publicado em 23 de dezembro de 2015
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