História da Igreja Católica
Neste espaço, trataremos de um dos assuntos mais desconhecidos nos ambientes universitários brasileiros: a história da Igreja. Isso decorre por diversos motivos, desde pura ignorância, de professores e alunos, à má-fé de muitos docentes que preferem ficar amarrados em pré-conceitos e anacronismos históricos à buscar incessantemente a verdade histórica.
Esperamos que vocês gostem desse espaço. Comentem, critiquem, e indiquem temas a serem abordados aqui. A participação de vocês é o nosso pagamento pelas horas de sono relegadas e pela ausência do convívio familiar, a fim de atualizar o site para vocês.
Nossa primeira postagem foi tirada do livro: Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental, escrito pelo historiador Thomas E. Woods Jr., graduado em História pela Universidade de Harvard e Phd. pela Universidade de Columbia. Dessa forma, quando você se encontrar com algum professor marxista, metido a men cult, saiba que nós católicos temos, em nosso time, para defender a história de nossos antepassados católicos, do anacronismo e ódio de tais pessoas, grandes estudiosos e pensadores. Nossa tarefa é apresentá-los a você, mas cabe a você deixar de ser preguiçoso e estudar. A você, meu querido irmão, apresentamos o outro lado da História, o contra-ataque católico.
A Igreja indispensável
Por Thomas E. Woods Jr
Philip Jenkins, renomado professor de história e estudos religiosos da Pennsylvania State University, chamou ao anti‐catolicismo "o último preconceito aceitável nos Estados Unidos". É difícil contestar esse juízo: nos nossos meios de comunicação e na nossa cultura popular, pouca coisa é inadmissível quando se trata de ridicularizar ou de satirizar a Igreja. Os meus alunos, quando têm alguma noção a respeito dela, só sabem reclamar a sua pretensa "corrupção", sobre a qual ouviram intermináveis histórias de duvidosa credibilidade dos seus professores do ensino médio.
A questão é que, no ambiente cultural da atualidade, é fácil esquecer ‐ ou não tomar conhecimento sequer ‐ de tudo aquilo que a nossa civilização deve à Igreja Católica. Muitos reconhecem que ela influenciou, sem dúvida, a música, a arte e a arquitetura, mas não vão além disso. Para o nosso estudante do ensino médio, a história do catolicismo pode ser resumida em três palavras: ignorância, repressão e estagnação; ninguém fez o menor esforço por mostrar‐lhes que a civilização ocidental deve à Igreja o sistema universitário, as ciências, os hospitais e a previdência, o direito internacional, inúmeros princípios básicos dos sistemas jurídicos, etc. etc. O propósito deste livro é precisamente mostrar essas influências decisivas, mostrar que devemos muito mais à Igreja Católica do que a maior parte das pessoas ‐ incluídos os católicos ‐ costuma imaginar. Por que, para sermos exatos, foi ela que "construiu" a civilização ocidental.
Como nem é preciso dizer, o Ocidente não deriva apenas do catolicismo; ninguém pode negar a importância da antiga Grécia e de Roma, ou das diversas tribos germânicas que sucederam ao Império Romano do Ocidente, como elementos formadores de nossa civilização. E a Igreja não só não repudiou nenhuma dessas tradições, como na realidade aprendeu e absorveu delas o melhor que tinham para oferecer.
Nenhum católico sério pretende sustentar que os eclesiásticos tenham acertado em todas as decisões que tomaram. Cremos que a Igreja manterá a "integridade da fé" até o fim dos tempos, não que cada uma das ações de todos os papas e bispos que já houve esteja acima de qualquer censura. Pelo contrário, distinguimos claramente entre a "santidade da Igreja", enquanto instituição guiada pelo Espírito Santo, e a natureza inevitavelmente pecadora dos homens que a integram, incluídos os que atuam em nome dela.
Mas estudos recentes têm submetido a revisão uma série de episódios históricos tradicionalmente citados como evidências da iniquidade dos eclesiásticos, e a conclusão que chegam depõe em favor da Igreja. Hoje sabemos, por exemplo, que a Inquisição não foi nem de longe tão dura como se costumava retratá‐la e que o número de pessoas levadas aos seu tribunais foi muito menor (1) ‐ em várias ordens de magnitude ‐ do que se afirmava anteriormente. E isto não é nenhuma alegação nossa, mas conclusão claramente expressa nos melhores e mais recentes estudos (2).
De qualquer modo, com exceção dos estudiosos da Europa medieval, a maioria das pessoas acredita que os mil anos anteriores a Renascença foram um período de ignorância e de repressão intelectual, em que não havia um debate vigoroso de idéias nem um intercâmbio intelectual criativo, e que se exigia implacavelmente um estrita submissão aos dogmas. Ainda hoje continua a haver autores que repetem essas afirmações. Numa das minhas pesquisas, deparei com um livro de Christopher Knight e Robert Lomas intitulado "Second Messiah" [ "O Segundo Messias" ], em que se traça um quadro da Idade Média que não poderia estar mais longe da realidade, mas que o público em geral "engole" sem hesitar, por força do preconceito e da ignorância reinantes. Podemos ler ali, por exemplo: "O estabelecimento da era cristã romanizada marcou o começo da Idade das Trevas, esse período da história ocidental em que se apagaram todas as luzes do conhecimento e a superstição substituiu o saber. Esse período durou até que o poder da Igreja Católica foi minado pela reforma"(3). E também: "Desprezou‐se tudo o que era bom e verdadeiro e ignoraram‐se todos os ramos de conhecimento humano em nome de Jesus Cristo"(4).
Hoje em dia, é difícil encontrar um único historiador capaz de ler semelhantes comentários sem rir. Essas afirmações contradizem frontalmente muitos anos de pesquisa séria, e no entanto os seus autores ‐ que não são historiadores de profissão ‐ repetem com inteira despreocupação esses velhos e gastos chavões. Deve ser frustrante lecionar história medieval! Por mais que se trabalhe e se publiquem evidências em contrário, quase todo mundo continua a acreditar firmemente que a Idade Média foi um período intelectual e culturalmente vazio e que a Igreja não legou ao Ocidente senão métodos de tortura e repressão.
O que Knight e Lomas não mencionam é que, durante essa "Idade das Trevas", a Igreja desenvolveu o sistema universitário europeu, autêntico dom da civilização ocidental ao mundo. Muitos historiadores se maravilham diante da ampla liberdade e autonomia com que se debatiam as questões naquelas universidades. E foi a exaltação da razão humana e das suas capacidades, o compromisso com um debate rigoroso e racional, a promoção da pesquisa intelectual e do intercâmbio entre os estudantes dessas universidades patrocinadas pela Igreja ‐ foi isso que forneceu as bases para a Revolução Científica.
Nos últimos cinqüenta anos, praticamente todos os historiadores da ciência ‐ entre eles Alistair C. Crombie, David Lindberg, Edward Grant, Stanley Jaki, Thomas Goldstein e Jonh L. Heilbron ‐ chegaram a conclusão que a própria Revolução Científica se deveu à Igreja. E a contribuição católica para a ciência não se limitou às idéias ‐ incluídas as teológicas ‐ que tornaram possível o método científico; muitos dos principais inovadores científicos foram sacerdotes, como Nicolau Steno, um luterano converso que se tornou sacerdote católico e é considerado o pai da geologia, ou Athanasius Kircher, pai da egiptologia, ou ainda Rogério Boscovich, considerado freqüentemente o pai da teoria atômica moderna. A primeira pessoa a medir a taxa de aceleração de um corpo em queda livre foi ainda outro sacerdote, o pe. Giambattista Riccioli. E os jesuítas dominaram a tal ponto o estudo dos terremotos que a sismologia ficou conhecida como "a ciência jesuítica".
E isso não é tudo. Poucos conhecem a contribuição da Igreja no campo da astronomia, apesar de cerca de trinta e cinco crateras da Lua terem sido descobertas por cientistas e matemáticos jesuítas, dos quais receberam o nome. Jonh L. Heilbron, da Universidade da Califórnia em Berkeley, comentou que "durante mais de seis séculos ‐ desde a recuperação dos antigos conhecimentos astronômicos durante a idade média até o Iluminismo ‐ , a Igreja Católica Romana deu mais ajuda financeira e suporte social ao estudo da astronomia do que qualquer outra instituição e, provavelmente, mais do que todas as outras juntas"(5). Mesmo assim, o verdadeiro papel da Igreja no desenvolvimento da ciência continua a ser até hoje um dos temas mais completamente silenciados pela historiografia moderna.
Embora a importância da tradição monástica seja reconhecida em maior ou menor grau nos livros de História ‐ todo o mundo sabe que, no rescaldo da queda de Roma, os monges preservaram a herança literária do mundo antigo, para não dizer a própria capacidade de ler e escrever ‐ , o leitor descobrirá nesta obra que a sua contribuição foi, na realidade, muito maior. Praticamente não há ao longo da Idade Média nenhum empreendimento significativo para o progresso da civilização em que a intervenção dos monges não fosse decisiva. Os monges proporcionaram "a toda a Europa [...] uma rede de indústrias‐modelo, centro de criação de gado, centros de pesquisa, fervor espiritual, a arte de viver[...], a predisposição para a ação social, ou seja, [...] uma civilização avançada, que emergiu das vagas caóticas da barbárie circundante, São Bento, o mais importante arquiteto do monacato ocidental, foi, sem dúvida alguma, o pai da Europa. E os beneditinos, seus filhos, foram os pais da civilização européia.
O desenvolvimento do conceito de Direito Internacional e normalmente atribuído aos pensadores e teóricos dos séculos XVII e XVIII. Na realidade, porém, encontramos pela primeira vez esse conceito jurídico nas universidades espanholas do século XVI, e foi Francisco da Vitória, um sacerdote e teólogo católico e professor universitário, quem mereceu o título de pai do direito internacional. Em face dos maus tratos infligidos pelos espanhóis aos indígenas do Novo Mundo, Vitória e outros filósofos e teólogos começaram a especular a cerca dos direitos humanos fundamentais e de como deveriam ser as relações entre as nações. E foram esses pensadores que deram origem à idéia do direito internacional tal como hoje o concebemos.
Aliás, todo o direito ocidental é uma grande dádiva da Igreja. O direito canônico foi o primeiro sistema legal moderno a existir na Europa, demonstrando que era possível compilar um corpo de leis coerente a partir da barafunda de estatutos, tradições, costumes locais etc. que caracterizava tanto a Igreja como o Estado medievais. De acordo com Harold Berman, "a Igreja foi a primeira a ensinar ao homem ocidental o que é um sistema legal moderno. Foi a primeiro a mostrar que costumes, estatutos, decisões judiciais e doutrinas conflitantes podem ser conciliados por meio de análise e síntese"(7).
A própria idéia de que ser humano tem direitos bem definidos não se deve a Jonh Locke e Thomas Jefferson ‐ como muitos poderiam pensar ‐ , mas ao direito canônico. E muitos outros princípios legais importantes do nosso direito também se devem à influência da Igreja, graças ao empenho milenar dos eclesiásticos em substituir as provas em juízo baseadas em superstições ‐ como o ordálio ‐, que caracterizavam o ordenamento legal germânico, por procedimentos baseados na razão e em conceitos legais elaborados.
De acordo com a história econômica tradicional, a economia moderna teria sido criada por Adam Smith e outros teóricos do século XVIII. Estudos mais recentes, no entanto, vêm enfatizando a importância do pensamento econômico dos últimos escolásticos, particularmente dos teólogos espanhóis dos séculos XV e XVI. Tem‐se chegado até designar esses pensadores ‐ assim o faz o grande economista do século XX Joseph Schumpeter ‐ como fundadores da moderna economia científica.
A maior parte das pessoas tem uma vaga noção das obras assistenciais da Igreja Católica, mas muitas vezes não sabe como foi única a sua ação nesse campo. O mundo antigo fornece‐nos alguns exemplos de liberalidade para com os pobres, mas tratava‐se de uma liberalidade que procurava fama e reconhecimento para o doador, tendendo a ser indiscriminada e não dirigida especificamente àqueles que passavam necessidade. Os pobres eram com excessiva freqüência tratados com desprezo, e a simples idéia de ajudar os necessitados sem nenhuma expectativa de reciprocidade ou de ganho pessoal era alheia à mentalidade da época. Mesmo William Lecky, um historiador do século XIX sempre hostil à Igreja, chegou a admitir que a dedicação aos pobres ‐ tanto no seu espírito como nos seu objetivos ‐ constituiu algo novo no mundo ocidental e representou um avanço surpreendente com relação aos padrões da antiguidade clássica.
Em todas essas áreas, a Igreja imprimiu uma marca indelével no próprio coração da civilização européia. Um recente livro de história da Igreja Católica tem por título "Triunph" ["Triunfo"]: é um título extremamente apropriado para resumir de uma instituição que tem no seu haver tantos homens e mulheres heróicos e tantas realizações históricas. Até agora, encontramos relativamente poucas dessas informações nos livros de texto que a maioria dos estudantes tem de estudar no ensino médio e superior.
A Igreja Católica configurou a civilização em que vivemos e o nosso perfil humano de muitas maneiras além das que costumamos ter presentes. Por isso insistimos em que ela foi o construtor indispensável da civilização ocidental. Não só trabalhou para reverter aspectos moralmente repugnantes do mundo antigo ‐ como o infanticídio e os combates de gladiadores ‐, mas restaurou e promoveu a civilização depois da queda de Roma. Tudo começou pela educação do bárbaros, e é neles que nos detemos ao iniciarmos este livro.
(O autor é bacharel pela Universidade de Harvard e doutor por Columbia, além de outros títulos.)
Notas:
(1) Isto é, no número de zeros depois dos algarismos significativos. Concretamente, não foram milhões, como às vezes se diz, mas centenas (N. do Editor).
(2)Veja‐se, por exemplo, Henry Kamen, "The Spanish Inquisition: A Historical Revision", Yale University Press, New Haven, 1999; Edward M. Peters, "Inquisition". University of California Press, Berkeley, 1989.
(3)Christopher Knight e Robert Lomas, "Second Messiah". Fair Winds Press, Gloucester, Massachussets, 2001, pág. 70.
(4) Christopher Knight e Robert Lomas, "Second Messiah", pág. 71.
(5)Jonh L. Heilbron, "The Sun in the Church: Cathedrals as Solar Obsertvatories". Harvard University Press, Cambridge, 1999, pág. 3.
(6) Réginald Grégorie, Léo Moulin e Raymond Oursel, *The Monastic Realm, *Rizzoli, New York, 1985, pág. 277. (7) Harold J. Berman, "The Interacion of Law and Religion". Abingdon Press, Nashville, Tenesse, 1974, pág. 59.
(Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental, p. 5-11)
Publicado em: 23 de dezembro de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui o seu comentário.